13 de Julho, 40 voltas completas ao sol; viajo para o Alto Minho, para dois dias de descanso, e aponto na agenda um treino de corrida em Valença. Local do treino: Linha do Minho.
Se fui correr para cima de uma linha de comboio? Não, que ideia; mas fui correr num canal ferroviário, sim. Confuso? É uma questão (importante) de semântica: ao que uns chamam de "ciclovia do Minho", construída em cima do canal ferroviário da Linha do Minho, no seu troço amputado entre Valença e Monção, eu chamo-lhe aquilo que não deixou de ser: Linha do Minho. Porque uma via férrea não se compõe apenas de carris e travessas - e todo o canal, estações e obras de arte do percurso, continuam a pertencer ao Domínio Público Ferroviário.
Apesar de eu ser contra estas obras de circunstância, quis juntar o útil ao agradável, e fazer um belo treino de corrida e conhecer esta parte da Linha do Minho ao mesmo tempo, encurtando mais um pouco a fracção desta linha que nunca visitei (até à data, já viajara integralmente desde o Porto até Valença).
Vou agora tentar avaliar estritamente a experiência do ponto de vista do utilizador de uma ciclovia. E o começo não poderia ser menos auspicioso: desde a estação de Valença até à bifurcação entre a Linha do Minho e o Ramal Internacional para Tui, numa distância de uns 300 metros, não vi uma única indicação do início da ciclovia: nicles, batatóides. Apenas já quase em cima do início se apresenta uma placa com dois percursos distintos, sem eu ter vislumbrado indicações sobre a continuação para Monção.
Mau começo.
No edifício ferroviário situado entre ambas as vias, mais uma vez não vejo informações sobre o percurso, distâncias, ou História da Linha do Minho: está aqui uma ciclovia, usa-a se quiseres, senão põe-te a andar (pun intended).
Local da bifurcação entre a Linha do Minho e o Ramal Internacional para Tui.
Preparo o relógio para registar o treino, e arranco. Não fazia ideia que a Linha do Minho descia tanto aqui, mas, de facto, desce bem. Por entre trincheiras e arvoredo, passo por um casal com duas filhas pequenas a caminho de Valença, mais dois ciclistas solitários; e até ao apeadeiro de Ganfei, 2 km depois, foi toda a gente que se cruzou comigo, num sábado em que Valença estava a rebentar pelas costuras com visitantes, sobretudo espanhóis.
Casa de Guarda de Passagem de Nível à entrada de Ganfei, Linha do Minho.
A Linha do Minho aproxima-se da berma da EN 101 pouco antes de Ganfei, que se atinge depois de uma Casa de Guarda de Passagem de Nível abandonada, já com os clássicos dados "PN" (do) "PK ... , ..." (Passagem de Nível do Ponto Quilométrico XXX,XXX) sumidos da sua fachada lateral. Próximo a esta reparo num parqueamento de bicicletas - alguma empresa de aluguer?
Atinjo então o apeadeiro de Ganfei, com o seu peculiar e minúsculo cais coberto, e um simples EP (Edifício de Passageiros) térreo. Este conjunto esteve incluído num programa turístico para concessão há uns dois anos atrás (Revive Natureza), mas a julgar pelo estado actual, e ao não encontrar referências no site do programa, creio que não tenha havido interessados.
Passo mais uma PN, e começa-me a assaltar a dúvida, que confirmaria ao longo do caminho: não existe uma única placa a indicar, nem aos utilizadores da ciclovia, nem aos da rede viária, de que existe ali um cruzamento potencialmente perigoso, especialmente quando a esmagadora maioria das pessoas com que me cruzei - e não foram elas assim tantas, de qualquer das formas - passam de bicicleta.
Pontão ferroviário, entre Ganfei e Verdoejo.
A estação seguinte, Verdoejo, está a outro par de quilómetros de distância, feitos entre pequenos viadutos ferroviários, campos de milho e vinhas. A estação está escondida por frondoso arvoredo, e só a uns 100 metros de distância se vislumbra finalmente o EP de dois andares, mais um pouco usual e espaçoso abrigo em cimento na segunda plataforma.
O espaço para duas linhas, mais este abrigo suplementar, denunciam que esta estação teve bastante movimento: acumulam-se os sinais evidentes do erro que foi encerrar este troço à exploração ferroviária. Aqui, ainda uma nota muito especial: foi a primeiríssima vez em décadas que, ao visitar uma destas ciclovias em leito ferroviário, vi uma estação a ter de facto equipamentos de apoio aos utilizadores. A cartilha com que estas obras têm vindo a ser promovidas às colheradas diz sempre que as estações serão reconvertidas para apoio aos utilizadores, o que é uma descarada mentira.
Em Verdoejo, para meu completo espanto, pude de facto beber água de um bebedouro, e utilizar os lavabos (papel higiénico disponibilizado!). Alguns dos equipamentos estão assinalados, com pequenas placas que passam um pouco desapercebidas. No regresso, pude ver que também em Ganfei existe um bebedouro e lavabos - não os experimentei, contudo. Por falar em placas, acho que passei apenas por dois pequenos discos em postes de madeira a assinalar a distância medida desde a bifurcação acima da estação de Valença - e, para minha agradável surpresa, o sinal de Aproximação de Apeadeiro, referente a Ganfei, no sentido de Valença, ainda está no terreno!
Da janela do comboio, a vista para o Minho e a Galiza é deslumbrante.
De Ganfei de volta a Valença apenas mais duas pessoas pelo caminho, a descerem de uma escadaria de madeira de uma passagem superior para a via. No final do trajecto, mais uma vez não existe sinalização para os utilizadores: chegou ao fim da ciclovia, aqui tem algumas sugestões para visitar, sei lá, tipo uma tal de fortaleza seiscentista ou assim, ou ali abaixo a estação onde pode embarcar de volta a casa se for visitante, enfim...
Regresso à bifurcação, acima da estação de Valença.
All in all, a elogiar a limpeza e o piso bem conservado, boa surpresa na disponibilização de bebedouros e lavabos, e that's it. Sinalização quase inexistente, História da Linha do Minho nem vê-la, segurança precária, vários postes delimitadores arrancados nas PN, medição da distância viste-a, EPs devolutos. Num dia como aquele, só imagino o quanto uma boa campanha e sinalização turísticas teriam distribuído centenas de pessoas até Monção e volta.
Prefiro o comboio a esta farsa, obrigado.
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