Vila Real, 17 mil habitantes. Sede de concelho e de distrito; maior cidade de Trás-os-Montes.
Sem quaisquer ligações ferroviárias desde 2009.
No apeadeiro de Cigarrosa, impera o silêncio. Estamos ao quilómetro 32 da Linha do Corgo: são 7 quilómetros até Vila Real, 22 até Vila Pouca de Aguiar, 32 até à Régua, 64 até Chaves. O último serviço ferroviário passou aqui a 31 de Dezembro de 1989, certamente uma Xepa a caranguejar a uma velocidade decrépita, a encerrar sem glória pela escuridão do Inverno mais de 80 anos de exploração sobre carris nesta aldeia do concelho de Vila Real. Nos últimos horários disponibilizados nesse ano, Cigarrosa dispunha de dois comboios em cada sentido, mas apenas para o troço Régua - Vila Pouca de Aguiar; para ir até Chaves, apenas um em cada sentido. Alguns dos comboios que aqui passavam eram verdadeiros paradoxos engatados: uma potente e moderna locomotiva a diesel, vinda das minas da Cantábria, a rebocar carruagens de 3ª Classe do início do século. Aquecimento: a carvão. Bancos: em madeira. A procura do serviço: a cair em flecha.
Estamos em pleno período de definição das prioridades de investimento para o próximo Quadro Comunitário de Apoio, o Portugal 2030, sendo um dos sectores que se reveste de especial atenção o dos transportes.
Vila Real está na encruzilhada de duas auto-estradas, a A4 e a A24. Recentemente inaugurou a sua central de camionagem, com serviços regionais, de expresso, e internacionais. Aqui tem paragem o serviço aéreo que une o Algarve a Bragança. Contudo, estando a meros 25 km da Linha do Douro na Régua, parece aparentemente normal que uma cidade de 17 mil habitantes prescinda de serviço ferroviário. Tem-se feito nos últimos dias alarde da insegurança na A24 através de cartazes com a chancela da autarquia local, e antes disso a insistência desta junto da Infraestruturas de Portugal em se repor os níveis de segurança no túnel do Marão na A4. Porém, sobre a Linha do Corgo, encerrada num processo obscuro em 2009, nem uma palavra.
Reabrir a Linha do Corgo entre a Régua e Abambres - estação inserida no perímetro urbano da cidade - custaria cerca de 11 milhões de euros. Se tal investimento fosse contemplado com verbas comunitárias a 85% a fundo perdido, restaria investir 1,6 milhões de euros por uma ou mais entidades. Se fossem repartidos pelas três autarquias deste troço, cada uma teria de investir cerca de meio milhão de euros; se o consórcio se alargasse à Comunidade Intermunicipal do Douro, 400 mil euros; se o núcleo empresarial da região se juntasse também ao investimento, 320 mil euros; com a CCDR-N, 260 mil euros; se o Estado desse o seu contributo, 230 mil euros.
Não estamos a falar de valores irreais, para um investimento estruturante para a região. Reatar a Régua a Vila Real através do transporte terrestre mais seguro, ecológico, e acessível em termos de custo para passageiros e mercadorias, não se fica pela melhoria da mobilidade das populações locais. Há um conjunto de serviços que volta a ficar mais acessível física e economicamente, como a UTAD, o centro comercial, o teatro, o NERVA, o Parque Corgo, o centro de saúde de Mateus: todos eles estão encostados ou próximos a esta via-férrea.
As vantagens vão muito além: a partir do terminal de cruzeiros da Régua, bem como do de Leixões e do aeroporto Sá Carneiro via Linha do Douro, existe um manancial de potenciais visitantes que não chega a Vila Real, e poderia fazê-lo, bastando ter a Linha do Corgo reaberta. Se com isso se atraísse por ano os 40 mil turistas que a Linha do Tua conseguiu, sem publicidade, há uma década atrás, e se cada um destes deixasse na região uma média de, arredondemos, 25 euros, em dormidas e produtos regionais, estamos a falar de proveitos anuais para a região de 1 milhão de euros. Para as empresas e empregos da região, os benefícios estão bem patentes. Para o Estado, fica a receita de IVA – cerca de 200 mil euros/ano, entre dormidas, produtos e bilhetes – o incremento no resultado positivo das empresas aumenta o IRC, cada posto de trabalho mantido/criado reforça os proveitos de IRS e SS.
É possível explorar a Linha do Corgo com despachos, viagens charter, publicidade, merchandising, e exploração comercial/turística de estações, para além unicamente das receitas de bilheteira. Contas feitas, são 400 mil euros de receitas anuais, contra 300 mil euros de despesas. Soa-me a um bom negócio. Sobretudo quando pela mesma via podem circular comboios de mercadorias, onde a cada vagão se retira das estradas um camião, poupando o ambiente e as contas das empresas – sobretudo com a eco taxa europeia que aí vem – e podendo ainda assim transportar os próprios camiões a bordo. Através do transporte dos vagões de Via Estreita em cima de vagões de Via Larga na Régua, temos assim que, com uma operação simples, se podem transportar directamente mercadorias de e para o porto de Leixões.
As vantagens da reabertura da Linha do Corgo são enormes, e como se vê, mensuráveis - já que a beleza do Douro Vinhateiro que a acompanha até às portas de Vila Real não é. O porquê de se continuar a ignorar uma discussão séria sobre a sua reabertura, é coisa que me ultrapassa - sobretudo quando as próprias autarquias têm conhecimento destes números.
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