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Torre de água da estação do Pinhão.
Torre de água da estação do Pinhão.

No início do ano de 2025 dei uma vista de olhos pelo Diretório da Rede 2026, documento anualmente compilado pela empresa responsável pela gestão da infraestrutura ferroviária - actualmente, essa empresa é a Infraestruturas de Portugal (IP) - com extensa informação sobre a Rede Ferroviária Nacional (RFN).


Da análise a este documento, sobretudo aos mapas da RFN apensos no final, tirei uma rápida conclusão: a Linha do Douro, em todo o seu longo troço entre o Marco de Canaveses e o Pocinho, está entre os mais anacrónicos de todo o país, a par unicamente de linhas como as do Oeste e do Leste.


Sem electrificação - e aqui, convém sublinhar que um dos objectivos do infame programa Ferrovia 2020 era o de levar a catenária até à Régua em 2019, o que nunca foi cumprido - e com recurso a sinalização e operação obsoletas, nomeadamente ao nível da comunicação entre o próprio maquinista e os Chefes de Estação e o Centro de Comando Operacional (CCO), ao que se soma material circulante que varia entre carruagens de 1950 rebocadas por uma locomotiva de 1960, ou automotoras vindas de Espanha em fim de vida, as quais, ao contrário das Arco, não tiveram um "upgrade" para os padrões modernos. E, ainda assim, prefiro as carruagens de 1950 - de mais a mais, perfeitamente adaptadas ao cenário idílico do percurso ribeirinho da Linha do Douro.


Acrescem outros dados de especial relevância: a Linha do Douro é a ÚLTIMA linha em exploração em Trás-os-Montes - repito, a ÚLTIMA linha em exploração em Trás-os-Montes. Dela fazem parte os únicos DOZE quilómetros de ferrovia activa de todo o distrito de Bragança (leu bem, não é gralha: o distrito de Bragança inteiro só tem 12 km de ferrovia activa). É por aqui que circula o mais antigo programa turístico ferroviário de Portugal - o Comboio das Amendoeiras em Flor - e o mais emblemático e lucrativo, o Comboio Histórico do Douro (que motivou a escrita deste post, mas já lá iremos). Daqui contudo desapareceram não só o comboio cimenteiro do Pocinho (actualmente transitam 0 toneladas de mercadorias por modo ferroviário acima de Godim/Régua), como também o Intercidades Régua - Porto, o que deixou qualquer viagem de comboio de Trás-os-Montes para o Litoral num regime de quase "pára em todas".


Nem vale a pena entrar em detalhe sobre os últimos largos anos de desavença entre a CP e os utentes da Linha do Douro, nem muito menos no extermínio sistemático a que foram sujeitas as Vias Estreitas conexas à Linha do Douro, como sejam as do Tâmega, Corgo, Tua, e Sabor, e à própria amputação da Linha do Douro entre o Pocinho e Barca d'Alva/Salamanca.


Até aqui, mesmo o leitor que não esteja a par dos mandos e desmandos recentes da Linha do Douro terá já compreendido uma simples realidade: a Linha do Douro NÃO é uma prioridade para o Estado Português.


Sejamos claros e transparentes: tem havido sim investimento na infraestrutura ferroviária da Linha do Douro, não apenas preventiva, como no caso do reforço de túneis, taludes e sistemas de prevenção de queda de blocos (destaque para a construção de um túnel falso na zona de Chanceleiros, Pinhão), e a substituição de travessas de madeira por travessas bi-bloco de betão.


Não só tem havido alguma modernização, como em 2021 foi votada por unanimidade no Parlamento uma Resolução para a Reabertura da Linha do Douro entre o Pocinho e Barca d'Alva, com máquinas de prospecção no terreno já no decurso de 2025.


Mas as boas notícias param mesmo por aí, e estritamente falando da incumbência da IP. O trabalho feito na reabertura efectiva a Barca d'Alva é tão lento, que em menos tempo se construiu de raiz todo o traçado de 70 km entre o Pinhão e a fronteira na década de... 1880. Pior, as declarações incendiárias recentes do Ministro das Infraestruturas a respeito da Linha do Douro deveriam ter recebido da CIM Douro uma condenação enérgica, ao afirmar que é preciso fazer estudos, quando estes já foram feitos em conjunto pela CCDR-N e pela própria IP há meses.


A mesma CIM Douro que, das duas vezes que eu a abordei acerca da Reabertura da Linha do Corgo desde 2019, tem vindo a afirmar que o seu "foco está na Linha do Douro". Nota-se.



E chegamos finalmente à notícia que tem corrido vários canais e órgãos de comunicação social. A portentosa locomotiva a vapor CP 0186, com as suas 98 toneladas de peso, está interditada de circular pelas 5 pontes metálicas do seu trajecto até ao Tua, as quais, a acreditar no Diretório de 2021, têm como classificação quanto à sua capacidade de carga máxima "B1", ou seja, veículos até 18 toneladas por eixo e 5 toneladas por metro.


Ora, isto causa-me alguma confusão, pois a aparentemente apupada nas notícias locomotiva da série 1400 - a tal locomotiva a gasóleo da década de 1960, que pese embora ser mais nova que a locomotiva a vapor é já também ela um ícone da História Ferroviária Portuguesa - apresenta um peso de 64 toneladas. Apesar de mais leve, a comparação em termos de peso por eixo dá um rácio de 14 toneladas por eixo da 0186, contra 16 toneladas por eixo da 1400.


O problema estará portanto no peso total do veículo? Uma questão a ser esclarecida pela IP e pela CP. Mas o que convém também explicar é que, para além do Diretório da Rede 2026 referir de facto investimentos nas pontes da Linha do Douro - avançados já no ano transacto de 2024 - é de facto lamentável que, pela enésima vez, a CP se veja impedida de prestar um serviço, por causa de má gestão da RFN, da responsabilidade da IP.


ESSE é que deveria ser o foco das notícias - e não se o Histórico do Douro vai ser rebocado por vapor ou por gasóleo, troca que está bem longe de inédita ao longo dos vários anos deste programa turístico. Os casos em que comboios chegam atrasados ao destino por avarias na sinalização, por afrouxamentos de 30 km/h em zonas de velocidade máxima do Alfa Pendular, de passageiros a descerem fora das plataformas porque a modernização das estações as têm encurtado, e os infames atrasos na reabertura de troços modernizados, todos eles são imputáveis à IP; não à CP.


E eu pergunto: qual vai ser a penalização à IP por mais uma mostra grosseira de má gestão da RFN? De que forma o Ministério e a Secretaria de Estado da tutela estão a acompanhar todos estes casos? Como vai ser a CP compensada por esta restrição? Quanto tempo vai esta restrição demorar? Já há verba e calendário para as intervenções a levar a cabo em todas as pontes metálicas não só até ao Tua, mas até ao Pocinho?


Vos garanto que quem for a bordo das carruagens de madeira do Histórico do Douro não sairá da viagem menos contente, por ter sido rebocado por uma 1400 em vez da 0186. O que Portugal NÃO PODE de todo continuar a consentir, é uma ferrovia a ser continuamente gerida casuisticamente, sem plano ou consequência, enquanto a operadora do Estado continua a ser saco de pancada ora dos sindicatos, ora da IP.





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