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7 Razões para acreditar que a Linha do Sabor vai REABRIR

A retoma da exploração de minério de Ferro no concelho de Torre de Moncorvo, distrito de Bragança, não é apenas uma oportunidade soberana de reabertura, ainda que parcial, da Linha do Sabor: é uma realidade indissociável da sua reabertura.


Para compreender esta associação, debrucemo-nos sobre as condições actuais no terreno:


A - As minas de ferro da serra do Reboredo situam-se no Cabeço da Mua, uma elevação entre as aldeias do Carvalhal e de Felgar, no concelho de Torre de Moncorvo. São as maiores jazidas deste metal em Portugal, e uma das maiores da Europa. A sua exploração está concessionada à empresa Aethel Mining.


B - A Linha do Sabor é uma via férrea com um comprimento total de 105 km, desde a estação do Pocinho - interface com a Linha do Douro (Porto - Régua - Barca d'Alva - Espanha) - em bitola métrica (1000 mm), sem serviços ferroviários desde Agosto de 1988.

A sua super estrutura - isto é, os carris, travessas, tirafundos (parafusos) e brita - foi removida, e o canal utilizado actualmente em parte do percurso como ecopista.


Agora que temos os dois principais elementos apresentados, vamos às razões pelas quais a reabertura da Linha do Sabor é o único caminho racional.


Razão 1 - A Linha do Sabor vai até às Minas de Ferro


Como se pode ver na imagem abaixo, o local de extracção actual, no Cabeço da Mua, está a meros 300 metros de distância acima da estação de Felgar, na Linha do Sabor.


Linha do Sabor na estação de Felgar
Estação de Felgar, e zona de extracção actual; Linha do Sabor assinalada a vermelho.

Desta forma, ao invés da utilização massiva de camiões, algo indesejável tanto do ponto de vista ambiental, como do ponto de vista social e de infraestruturas locais (camiões em estradas nacionais e dentro de localidades), o minério pode ser directamente encaminhado por meios mecânicos desde a boca da mina até à estação de Felgar, sendo directamente carregado em vagões.


Este mesmo cenário é defendido por Nuno Araújo, director-geral da Aethel Mining, numa entrevista dada recentemente à Agência Lusa:

Nuno Araújo salientou que a forma de transportar o agregado de ferro atualmente em produção "é com camiões", algo que "não é a melhor solução".

(...)

Nuno Araújo explicou que, para já, mesmo que fosse utilizada a Linha do Douro, seria necessário ter "um camião a levar para o Pocinho", de qualquer forma. "Ou seja, não é comportável para nós, não está nos nossos planos nós utilizarmos camiões", apontou.


Razão 2 - Sempre a descer!


A Linha do Sabor tem uma particularidade: possui a mais extensa e mais inclinada rampa ferroviária nacional. São 25 km de subida contínua deste o Pocinho à estação de Felgar, com inclinação média na maioria do percurso de 2,5% - o limite máximo "convencional" para caminhos de ferro é de 3%.


Perfil Longitudinal da Linha do Sabor na zona de Felgar
Perfil Longitudinal da Linha do Sabor na zona de Felgar - a estação tem a montante um patamar plano de cerca de 1500 metros.

Isto significa que comboios de minério na Linha do Sabor podem subir vazios desde o Pocinho, e descer cheios todo o caminho de volta, implicando assim uma utilização energética eficiente - algo ainda mais potenciado por material circulante que consegue obter energia do próprio processo de frenagem.


Razão 3 - Ligados à corrente.


Os comboios de minério na Linha do Sabor podem e devem ser eléctricos. Isto implica não apenas uma maior eficiência energética no que toca ao esforço de tracção do próprio comboio, como obviamente um impacte ambiental no que toca à emissão de gases com efeito de estufa nulo.


Barragem do Pocinho
Rio Douro, barragem do Pocinho: a jusante a ponte da Linha do Sabor e a estação do Pocinho.

A suportar esta opção eléctrica estão outros dois factores determinantes:


  1. A barragem do Pocinho encontra-se a meras centenas de metros da Linha do Sabor, sendo que o processo de reabertura da Linha do Douro entre o Pocinho e Barca d'Alva já aponta para a construção aqui de uma subestação eléctrica, para alimentar comboios eléctricos nesta via férrea - infraestrutura que poderá ser aproveitada também para a Linha do Sabor;

  2. Comboios de minério a subir do Pocinho para Felgar, fazendo-o no período nocturno, poderiam beneficiar de tarifas eléctricas mais vantajosas, sendo este o período em que a procura de electricidade é menor, e onde se geram excedentes de oferta.


Razão 4 - Zona Industrial de Torre de Moncorvo a bordo


No trajecto entre o Pocinho e Felgar, a Linha do Sabor ladeia três dos quatro lados da Zona Industrial de Torre de Moncorvo, o que significa que as empresas aqui sediadas passariam a estar directamente ligadas à Rede Ferroviária Nacional, com todas as vantagens no acesso a matérias primas e produtos, e para o escoamento dos seus próprios produtos finais.


Linha do Sabor no Larinho e na Zona Industrial de Moncorvo.
Linha do Sabor no Larinho e na Zona Industrial de Moncorvo.

Razão 5 - Shhhh... pouco barulho!


Um dos maiores problemas levantado pela utilização de camiões para os habitantes locais é o ruído causado dentro das próprias localidades - casos mais flagrantes da aldeia do Carvalhal, e da própria vila de Torre de Moncorvo, onde a estrada nacional passa directamente dentro de zonas de habitação.


Com a opção ferroviária este problema é minimizado, já que em ambos os casos a Linha do Sabor tem um percurso mais periférico, e por um canal dedicado, reduzindo assim o ruído em zonas de habitação, e claro, a ocupação e desgaste das estradas e arruamentos locais.


Linha do Sabor em Torre de Moncorvo
Torre de Moncorvo - a Linha do Sabor bordeja a vila num canal dedicado; a estrada nacional entra na vila, com acesso público.

Razão 6 - Sem problema de bitola, sem trasfega; limpinho, limpinho.


O canal da Linha do Sabor não é praticável para material circulante de bitola ibérica; que isto fique imediatamente bem claro. As várias curvas de 75 e 80 metros de raio são demasiado apertadas para tal. Se estas podem e devem ser corrigidas, até mesmo para a passagem de material de bitola métrica, permitindo maiores velocidades? Pode.


Mas a utilização de material circulante de Via Estreita em relação a material de Via Larga traz outras vantagens:


  1. O canal é mais estreito, logo implica menos custos de construção e de manutenção;

  2. O material está mais apto tanto para curvas mais sinuosas, como até para rampas mais inclinadas;

  3. Sendo mais pequeno, também implica menores custos de construção e de manutenção.

Ou seja, com material de Via Estreita, consegue-se transportar as mesmas quantidades de mercadorias - e de passageiros, não esqueçamos os passageiros! - mas por um menor custo. Parece lógico; e é.


O particularismo da bitola métrica de 1000 mm contra a nossa bitola ibérica de 1668 mm traz ainda outra vantagem para a Via Estreita: há vários países na Europa e no resto do mundo a utilizarem material circulante de bitola métrica (ou quase métrica, de 1067 mm, como na Austrália e no Japão, mas também em Angola e Moçambique), o que significa maior disponibilidade de locomotivas, carruagens e vagões para compra e venda. Contudo, só dois países no mundo inteiro utilizam bitola ibérica: Portugal e Espanha.


Mas então, ao chegar ao Pocinho, como passamos o minério de vagões de bitola métrica da Linha do Sabor para vagões de bitola ibérica da Linha do Douro? Simples: em zorras.


Vagão de mercadorias de bitola standard (1435 mm) carregado numa zorra de Via Estreita (760 mm) - Zilertalbahn, Áustria.
Vagão de mercadorias de bitola standard (1435 mm) carregado numa zorra de Via Estreita (760 mm) - Zilertalbahn, Áustria.

O exemplo acima até é um exemplo inverso - um vagão de Via Larga numa zorra de Via Estreita - mas o princípio básico é o mesmo: não é preciso descarregar mercadorias de um vagão para outro, só por causa da bitola. Neste exemplo, vagões ainda mais pequenos que os que circularam na Linha do Sabor transportam milhares de toneladas de mercadorias, num processo em que um maquinista e dois manobradores vão posicionando os vagões em cima das zorras, e desengatando-os para permitir que o comboio de mercadorias circule normalmente.


No caso da Linha do Sabor, ou vagões de Via Larga circulariam em cima de zorras de Via Estreita, sendo carregados de minério em Felgar, e depois descarregados do comboio mineiro no Pocinho directos para a Linha do Douro até Leixões, ou vagões de Via Estreita desceriam de Felgar e embarcariam directamente em zorras de Via Larga.


Razão 7 - Linha aberta para Mercadorias, Linha aberta para Passageiros


Uma vez reinstalando a via férrea na Linha do Sabor, nada impede que comboios de passageiros não circulem também, potenciando o investimento feito na super estrutura.


Sejam comboios regulares de passageiros - como ligações ao Porto, ou de cariz local para os habitantes de Felgar, Carvalhal e Larinho se deslocarem a Moncorvo - sejam comboios sasonais - entenda-se, turísticos - o potencial da Linha do Sabor é inegável.


Projecto pessoal de recriação da Linha do Sabor no simulador "Trainz" - vista sobre a foz do Sabor.

Notas Finais


Em 2015 fui autor convidado no livro "A Linha do Vale do Sabor - Um Caminho de Ferro Raiano do Pocinho a Zamora". No capítulo que escrevi, elaborei um estudo de reabertura e exploração da Linha do Sabor de ponta a ponta. Este revelou que a exploração era rentável - e na altura nem incluí proveitos advindos de comboios de mercadorias.


Capa do livro - Editora Lema d'Origem

Não "espero" nem "sonho" com uma reabertura da Linha do Sabor, mesmo que parcial, até Felgar: eu estou convicto de que esse é o caminho certo. Lamento isso sim não ver por parte do poder político local, nem na figura da Câmara Municipal de Torre de Moncorvo, nem na da Comunidade Intermunicipal do Douro, um grama de interesse pelo assunto.


A ciclovia implantada na Linha do Sabor tem-se revelado aquilo que já adivinhava ser: um vazio, tanto de conteúdo, como de utilizadores. Com a reabertura da Linha do Sabor, ninguém sentirá saudades dela.


Testemunho de um utilizador da ciclovia na Linha do Sabor, publicado na minha página de Facebook "Via Estreita".

Espero da parte da administração da Aethel Mining que não deixe este assunto cair, apenas por culpa da mediocridade alheia.


Viva a Linha do Sabor!


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