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Hernâni Dias quer um comboio - mas não sabe bem qual...

Tanto a dizer sobre este artigo...


Vamos por uma das coisas acertadas: sim, a Linha do Tua estava projectada para continuar até à Espanha, sem nunca ter ficado definido por onde. Tanto assim é que a estação não tem configuração de terminal, e o traçado original vinha de Sul para Norte, ficando a sua continuação aberta - a variante que contorna a cidade pelo Norte só foi construída na década de 1960, e mesmo assim sem sacrificar o prolongamento à Espanha.


Agora vamos aos erros. De palmatória.


"A ligação é exequível e não há dificuldades técnicas com a orografia nem há constrangimentos do ponto de vista ambiental“.


A orografia atravessada por esta linha inclui a Serra do Marão - e quase já podíamos parar por aí. Mas depois ainda temos o Alvão, a Falperra, a descida para Murça, a subida para Macedo, a Serra da Nogueira, e os vales do Tâmega, Corgo, Tua, Sabor, Maçãs e Angueira.


Não estamos a falar da planície alentejana, onde o rácio da nova linha Évora - Elvas vai em 7 milhões de euros por km, já agora.


Depois há outro pormenor que um leigo facilmente negligenciará: o perfil longitudinal de uma via férrea não se compara ao de uma via rodoviária. Não, nem por sombras. Isto porque uma linha convencional não ultrapassa os 3% de inclinação, no máximo, sendo que até as rampas mais desafiantes andam apenas entre os 2% e os 3% de inclinação, como o caso da maior rampa ferroviária portuguesa, na Linha do Sabor, com 2,5% de inclinação.


Daí que o projecto da Vale d'Ouro prevê uma quantidade enorme de pontes e viadutos, principais responsáveis por elevarem o custo total da obras para uns estratosféricos 4,4 mil milhões de euros - tanto quanto a nova Linha de Alta Velocidade de Lisboa ao Porto.


Já do ponto de vista ambiental, esta nova linha pode passar ou rasar o sítio da Rede Natura 2000 que engloba a Serra da Nogueira até tocar na autoestrada A4. Fora outros constrangimentos que possam surgir pelo caminho, porque não é exclusivo do ponto de vista ambiental haver constrangimentos só em sítios da Rede Natura 2000.


Em suma, esta declaração é de uma ligeireza um quanto desconcertante, quando nem sequer existe um estudo de impacte ambiental que a suporte.


Nós já temos a experiência de ter o comboio até Bragança e de ser o fim de linha. Tanto que isso aconteceu e o comboio desapareceu em 1989.


Preciosismo ou não, mas o comboio não "desapareceu" (parece que foi abduzido por extra terrestres, ou deu de caras com o Luís de Matos, dito assim) em 1989: foi ROUBADO, e em 1992. Mais atenção nas aulas de História do seu próprio concelho, sr. Presidente.


E por muito que haja uma componente de limitação do sucesso que algumas linhas portuguesas poderiam ter tido, ao lhes ser negado um fecho de malha, o facto de uma linha terminar numa cidade de um determinado território não a condena ao fracasso de forma absolutamente nenhuma. Esta afirmação é de uma leviandade e de uma falta de rigor incríveis, e do meu ponto de vista é um atestado claro sobre um total desconhecimento sobre transporte ferroviário.


Braga é o fim do Ramal de Braga. Guimarães é o fim actual da Linha de Guimarães - e pasmem-se, o Plano Ferroviário Nacional fala em qualquer coisa sobre a reabertura a Fafe. E tanto Braga como Guimarães têm várias ligações diárias, tanto Suburbanas, como Regionais, como Rápidas. Depois temos os casos de cidades como Vila Real, Évora e Beja, capitais de distrito, e que não eram o fim da linha, mas foram reduzidas à condição de término mesmo assim.


Ser terminal, ou não ser, não é condição sine qua non para o sucesso ou a falta dele.


Deixo uma nota especial: Hernâni Dias é o autarca de Bragança, que enquanto promove a destruição sistemática do canal ferroviário da Linha do Tua dentro da cidade, e a sua redução à condição de ciclovia fora dela, defende uma nova linha de raiz. A incongruência é insustentável.


Menção Honrosa: "A atual proposta defende uma ligação ferroviária Porto - Vila Real em 44 minutos e entre Porto - Bragança em 1h15 (alta velocidade) ou 1h30 (serviço Intercidades)."


Tem andado a reboque desta efusividade o dogma de que estas linhas têm de ter velocidades forçosamente mais elevadas que por autoestrada, senão não vale a pena construí-las. Tanto que o presidente da Vale d'Ouro, Luís Almeida, chegou a referir que em reabrindo a Linha do Corgo entre Vila Real e Chaves, a velocidade deste troço deveria ser de 160 km/h...


(longo suspiro...)


Vou partilhar convosco alguns dados, porque se começo por tentar adjectivar enormidades deste calibre a coisa fica já demasiado gráfica para menores e cardíacos...


A distância de Vila Real a Chaves pela Linha do Corgo, as is, é de 71 km. O que quer dizer que se tivéssemos um comboio a ir directamente de uma cidade à outra a uma velocidade média de 80 km/h, este levaria 53 minutos a fazê-lo. Sabem quanto tempo leva um automóvel a ir da estação de Vila Real à estação de Chaves pela autoestrada A24?



Pela autoestrada leva apenas menos 4 minutos do que por uma Linha do Corgo a 80 km/h.


Faça uma pausa; inspire fundo... Vamos continuar.


Para onde ir a partir daqui? Apenas acrescentar que se fosse com uma velocidade média de 100 km/h na Linha do Corgo, a viagem levaria 42 minutos (ganho de 10 minutos); a 120 km/h, 35 minutos (menos 7); a 140 km/h, 30 minutos (menos 5); aos tais 160 km/h, 26 minutos (menos 4); entre os 200 km/h e os 220 km/h, nesta distância, a diferença já só é de 2 minutos.


Não sei se repararam, mas quanto maior a velocidade, menor a diferença de tempo marginal. O que, trocado por miúdos, quer dizer que aumentar a velocidade até à estratosfera não quer dizer que se vai ter ganhos de tempo significativos a cada dezena de km/h incrementados. O que tem sim, e em ordem exponencial, é um efeito de agravamento dos custos de construção, já que uma linha a 160 km/h não custa apenas o dobro de uma a 80 km/h; custa mais. Concluindo, o incremento de custos exponencial não justifica, a partir de certa velocidade, os ganhos de tempo marginais. Compreendido?


E, sobretudo, que com um comboio a viajar a uma velocidade média de 80 km/h - METADE da velocidade apontada por Luís Almeida - já temos o comboio a ser competitivo com o transporte rodoviário. Ah, e com o individual, porque com o colectivo existente...


Em abono da verdade, a Rede de Expressos tem, nesta data, algumas viagens de 50 minutos, e não de uma hora e dez como na imagem. Mas são 50 minutos contra os 53 da Linha do Corgo, para uma velocidade média de 80 km/h num canal dedicado, num comboio que pode ser eléctrico e que não fará a montanha russa que é a A24 entre estas duas cidades - significando uma pegada ambiental infinitamente menor.


Por último, uma Linha de Alta Velocidade é, por definição, uma em que se viaje a mais de 250 km/h - senão, diz-se de "Velocidade Elevada". Se a diferença entre o serviço de Alta Velocidade e o de Intercidades, numa distância de 200 km entre o Porto e Bragança, é de apenas 15 minutos, não consigo perceber bem a diferença de serviços. Como vimos no exemplo acima, para o mesmo trajecto a Rede de Expressos tem tempos de viagem ora de 50 minutos, ora de uma hora e dez minutos, para a mesma categoria de serviço.


E se continuamos a falar de Rápidos, o que acontecerá com as dezenas de localidades situadas ao longo do trajecto que não terão estação? Ficam a ver passar comboios, alimentando o contínuo esvaziamento do território?


Não, continuam a não me convencer, nem com este projecto, nem com a atitude hipócrita de destruir ferrovia por um lado e exigir outra por outro, votando população como a de Santa Comba de Rossas a piadas de mau gosto como a do novíssimo - segurem o riso, que isto é verídico - "Parque Multitreino" implantado na mais alta estação ferroviária do país - sem serviço desde 1992, sr. Presidente, desde 1992...




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