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É uma Farsa, Senhor!

Foto do escritor: Daniel CondeDaniel Conde


Metro Mondego
Estação Nova - Coimbra

Não existe, no panorama dos transportes públicos em Portugal, tema mais tóxico que o do Metro Mondego. A começar pelo próprio nome, que apesar de não incorrecto não deixa de gerar constantemente discussões estéreis sobre se um serviço de autocarro deve ou não ser nomeado com a chancela de "metro" - termo que vem de "metropolitano", o qual não se restringe nem ao mundo dos transportes, nem particularmente ao modo ferroviário.


O que é absolutamente abjecto de constatar, e me fez falhar uma batida do coração ao ler numa reportagem partilhada hoje, mas que já data de 5 de Maio de 2024, é o custo astronómico desta que não pode ser apodada de nada mais que uma farsa: 327 milhões de euros, em 30 anos de um projecto que nem sequer está ainda em funcionamento, entre "estudos, gastos administrativos e empreitadas". Os 16 milhões de euros já gastos no Plano de Imobilidade do Vale do Tua, num período de 15 anos, e também para zero passageiros transportados, ao pé destes números é um amador.


O timing desta partilha acaba por ser até interessante: hoje li na imprensa regional trasmontana que o Tribunal de Contas chumbou o contrato assinado no passado dia 19 de Dezembro para a reposição das ligações aéreas entre Bragança e Portimão, por, e cito, "irregularidades detetadas em datas mencionadas no documento".


Dentro desta coincidência, cabe outra, não menos inocente: o do recente encerrar da chamada "Estação Nova", no centro de Coimbra, num exercício denunciado já diversas vezes como sendo apenas e só de boçal especulação imobiliária. Os carris entre a estação de Coimbra e a de Coimbra-B (Linha do Norte) já começaram a ser removidos, sem atrasos.


Regressando ao Metro Mondego... Em traços gerais, é a história da destruição de uma via férrea previamente existente, o Ramal da Lousã, que funcionava em pleno, a ligar diariamente Coimbra a localidades como Miranda do Corvo, Lousã e Serpins, com ligações a Coimbra-B, num interface com a Linha do Norte. Como qualquer outra via férrea, necessitava da sua normal manutenção, operando com comboios adequados ao serviço quasi Suburbano que prestava.


O que os dirigentes políticos, a começar no canto do cisne da governação de Cavaco Silva - o mais siderodromofóbico governante de que há memória na História do nosso país - quiseram pois fazer, foi destruir uma via férrea e um serviço público em funcionamento, para substituir por metros ligeiros. Porquê? Pela mesma justificação de n outras obras sem rigor, controlo, nexo, ou pura e simples integridade intelectual: é um nome mais moderno, mais chique. Comboio em Portugal é coisa de pobres. Já Metros Ligeiros, soa a outra coisa mais polida.


A evolução deste projecto contudo cifrou-se em 100 milhões de euros de coisa nenhuma até à hecatombe financeira do país após a crise do Sub Prime - 10 milhões dos quais nos sempiternos "estudos". No que foram gastos os outros milhões? Bom, pelo menos 3 milhões foram gastos no cartão de crédito da empresa, por apenas dois membros do Conselho de Administração - não se preocupem: foram absolvidos... por prescrição do crime de prevaricação.


À chegada de António Costa, esta farsa foi recondicionada num novo pacote: em vez de uma solução ferroviária, a introdução de mais um conceito modernaço: Metrobus... Todo o canal fica despido de carris, instala-se um piso betuminoso, e onde circulavam comboios com capacidade para várias dezenas de passageiros a uma velocidade comercial superior à média rodoviária, metem-se agora autocarros com metade da lotação e velocidades comerciais inferiores às dos comboios.


Primeira estimativa desta mudança radical de planos em 2017: 90 milhões de euros. Capital que chegava e sobrava para devolver o comboio que fora subtraído à traição de Amarante, Vila Real, e Mirandela, e ainda sobrar dinheiro. Mas não ficámos por aí, obviamente: três anos depois, a estimativa de custos já ia em 130 milhões de euros. Actualmente, o investimento previsto é de 200 milhões de euros - mais do dobro, para além do prazo de execução que igualmente não pára de resvalar.


Destes, 117 milhões são alegadamente em "infraestruturas de base", numa via que não deixou de ter o seu canal, as suas pontes, os seus túneis, e as suas estações. Para colocarmos um termo de comparação, a construção da A4 em Trás-os-Montes custou uma média de 3 milhões de euros por km; se todo o Ramal da Lousã fosse refeito de raiz, não custaria 3 milhões de euros por km, e ainda assim ficaria, a esse rácio, por 105 milhões de euros.


Privaram-se vários concelhos e dezenas de milhares de cidadãos do transporte público ferroviário desde 2010; destruíram-se postos de trabalho e uma infraestrutura instalada; os contribuintes portugueses e europeus subsidiaram esta distopia em mais de 300 milhões de euros, para resultar num pior serviço que aquele que era anteriormente prestado - quer dizer, o serviço ainda nem começou a ser prestado.


A tudo isto, o Tribunal de Contas aparentemente olhou com complacência.

A tudo isto, o Parlamento aparentemente olhou com complacência.


Não tivemos nem decisores políticos, nem gestores, nem normas legais, que pusessem ordem nesta insanidade completa. Não há controlo, não há rigor, não há punição. Um faroeste moderno à portuguesa, onde é permitido um descontrolo completo de contas e prazos, sem que isso faça soar alarmes em nenhum organismo do Estado.


Tentem atrasar-se no pagamento do IVA da vossa empresa, ou no IUC do vosso carro. Tentem obter financiamento para a vossa nova casa, ou custear a ida para a faculdade de um filho.


Continuemos com os nossos "brandos costumes". Os Metro Mondegos deste país agradecem.

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